Questão de Física da UNICAMP

Na medida do possível, tenho procurado acompanhar o nível e conteúdo do que tem sido mais pedido atualmente nos exames vestibulares, principalmente sobre Física, disciplina que leciono. Observando algumas provas deste ano, achei interessante, e ao mesmo tempo relativamente simples, a 1ª questão da prova de Ciências da Natureza, da 2ª fase do vestibular da Unicamp, realizada no último dia 17 de Janeiro. Veja:

1) Em 2011 o Atlantis realizou a última missão dos ônibus espaciais, levando quatro astronautas à Estação Espacial Internacional.
a) A Estação Espacial Internacional gira em torno da Terra numa órbita aproximadamente circular de raio R = 6800 km e completa 16 voltas por dia. Qual é a velocidade escalar média da Estação Espacial Internacional?
b) Próximo da reentrada na atmosfera, na viagem de volta, o ônibus espacial tem velocidade de cerca de 8000 m/s, e sua massa é de aproximadamente 90 toneladas. Qual é a sua energia cinética? 

Eu gostaria de realizar aqui uma solução um pouco diferenciada, com comentários e complementos que talvez possam ajudar a entender um pouco melhor a questão.

Solução comentada 
item a)
Para calcular a velocidade escalar média V da Estação Espacial, devemos usar a fórmula:

ΔS  representa o deslocamento da Estação, e Δt  representa o tempo em que se deu este deslocamento.

O deslocamento será dado pela distância percorrida em volta da Terra.
Para calcular esta distância, vamos relembrar um dos  conceitos mais antigos da história da matemática:

O número Pi
Desde muito antes de Cristo, sabe-se que para círculos de quaisquer tamanhos, a razão / D, é sempre constante.
C é a distância percorrida em uma volta em torno do círculo, e D é o diâmetro do círculo. Da razão entre eles, obtém-se o valor de Pi, que atualmente é simbolizado pela letra grega π. Então:
A distância C, como se pode ver na figura, corresponde a aproximadamente 3 vezes o valor de D. Podemos usar, na verdade, várias aproximações para o valor de π. Se quiser conhecer os diversos valores de π adotados ao longo da história,  recomendo este post do excelente blog O Baricentro da Mente, do meu amigo e matemático Kleber KilhianPara simplificar, vamos usar  π = 3.
Sabendo que o diâmetro D é duas vezes maior do que o raio R, temos: 

Se substituirmos esta expressão no lugar de D da relação que define Pi,  logo acima, podemos chegar à expressão:

No enunciado da questão, eles informam o valor do raio da órbita, que é de 6800 km. Substituindo π = 3 e considerando as 16 voltas na Terra dadas em um dia, que também é um dado da questão, temos:

C = 16 . 2 . 3 . 6800 km
         
Este valor corresponde ao  ΔS  da fórmula para calcular a velocidade, dada no início desta solução. Para determinarmos a velocidade, em km/h,  devemos substituir o valor de Δt = 24 h  correspondente a um dia. Então temos:

                V  =  16 . 2 . 3 . 6800 / 24   =  27200 km/h

Comentário
Este altíssimo valor da velocidade da Estação Espacial Internacional representa uma preocupação constante para os seus tripulantes. Acontece que no espaço existem vários pequenos objetos metálicos em órbita, que podem ser atingidos acidentalmente. Até hoje nenhum provocou grandes danos, mas veja apenas dois exemplos, do que alguns deles fizeram ao colidirem com telescópios ou naves:
Buraco de meia polegada no radiador do ônibus espacial Endeavor 
Buraco de 1 cm de diâmetro em um dos painéis do telescópio Hubble












O pior cenário possível aconteceria se algum destes objetos atingisse, por exemplo, a luva de um astronauta da Estação, durante uma caminhada espacial (foto). Se perfurasse o tecido da luva, isto poderia provocar uma rápida e perigosa descompressão.
A NASA monitora constantemente os objetos maiores que porventura estejam em rota de colisão com a Estação. Quando eles são detectados, os tripulantes são colocados em estado de alerta e se dirigem para a nave russa Soyuz, acoplada à Estação, para se preciso for, efetuarem uma saída de emergência. Ao mesmo tempo, a Estação pode alterar a altitude, acionando foguetes que fazem com que ela se posicione em uma órbita um pouco acima da órbita do objeto.

Item b)
Para calcularmos a Energia Cinética da Atlantis na reentrada, temos que usar a fórmula:
Onde m representa a massa, em kg, e V a velocidade da nave, em m/s. A massa é dada na questão, e é de 90 ton = 90 000 kg = 90. 10³ kg.  A velocidade é de 8000 m/s = 8.10³ m/s  Assim teremos:

         Ec =  90. 10³ . ( 8.10³)² /  2   =  2,88 . 1012  J

Comentário
Este é um valor muito alto para a energia cinética. O que ocorria durante a reentrada é que a velocidade das naves era diminuída bastante, devido ao atrito com a atmosfera, e assim a maior parte desta energia cinética se transformava em calor. Isto fazia com que as temperaturas no exterior das naves atingissem valores de até 1200 °C, o que tornava esta etapa uma das mais preocupantes de todas as missões.

Fontes:

4 comentários:

  1. Caro Prof. Jairo, além dos objetos metálicos,existe o perigo de algum meteorito chocar-se com a estação espacial. Um abraço. Bom ano de trabalho.

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  2. Adão:
    Além dos problemas de ordem natural, como a radiação e, como você bem lembrou, os meteoritos que eu me esqueci de mencionar, temos também os criados pelo próprio homem, ao longo de tantos anos de exploração espacial. Há muitos detritos metálicos, e também não-metálicos, como restos de combustíveis de foguetes que se "petrificam". Li na Wikipedia, que a maioria são pequenos, com menos de 1 cm de tamanho, mas estes são dezenas de milhares em órbita. Os maiores estão em menor quantidade e têm a vantagem de serem mais fáceis de visualizar quando estão se aproximando da ISS. Enfim, o lixo espacial é um problema que só tende a se agravar, mas já há gente preocupada em diminuí-lo.

    Bom ano de trabalho pra você também.
    Abraço

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  3. Olá Jairo,
    Como sempre, trazendo ótimos artigos. Quando um objeto se choca com qualquer outro no espaço, corre o risco desses alterarem suas rotas e se deslocarem em direção à Terra, não é? Para objetos pequenos, se desintegrariam na entrada da atmosfera? Li uma vez que uma pessoa que ficasse exposta ao espaço, perderia a água do corpo quase que instantaneamente, morrendo assim cozido? Com essa dúvida, procurei na net e achei um artigo básico do HSW: http://ciencia.hsw.uol.com.br/sem-roupa-espacial.htm
    Aí diz que um traje espacial tem 3 camadas como proteção à choques eventuais. Precisaria ser uma colisão violenta para causar um dano. Mas com objeto fluindo a velocidades altas, e no caso em sentido oposto a um astronauta que também se desloca a 26000km/h (?) teríamos uma velocidade de cerca de 52000km/h, acho que causaria um problema ao astronauta.
    Novamente estamos falando do lixo espacial. Parece que ainda vamos falar muito sobre isso.
    Agradeço a citação do meu blog e os elogios.
    Um abraço.

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  4. Kleber:
    Quando um objeto se choca com outro no espaço, além de aumentar a quantidade de lixo espacial, pode ocorrer de alguns pedaços se deslocarem em direção à Terra. Se forem pequenos, possivelmente se desintegrarão na reentrada, caso contrário, alguns pedaços podem atingir a superfície de nosso planeta.

    O ponto de vaporização depende da pressão. Pode-se ferver água dentro de uma seringa à temperatura ambiente de 20°C, sem esquentá-la, simplesmente puxando-se o êmbolo. Se a pressão for diminuída, a água entra em ebulição. É o que aconteceria com os fluidos do corpo do astronauta. Realmente ferveriam.

    As luvas são realmente feitas de material bem resistente, mas imagina um pequeno objeto vindo em sentido contrário à velocidade do astronauta. Teríamos uma velocidade relativa absurdamente alta. Que material, por mais reforçado que fosse, resistiria a um impacto destes?

    O lixo espacial infelizmente será notícia por um bom tempo.

    Quanto à citação d'O Baricentro da Mente, só estou retribuindo a gentileza, por você também ter linkado o INFRAVERMELHO em alguns posts seus. E olha que ainda estou na dívida, mas com o tempo eu vou pagando.

    Abraço.

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