Uma boa questão sobre Efeito Doppler

Um assunto que eu considero muito interessante na Física é o Efeito Doppler. Não é difícil encontrar alguém que já tenha notado a diferença entre a frequência do som ouvido quando uma fonte sonora está se aproximando, e quando está se afastando de nós. Um exemplo são os carros de Fórmula 1. Um observador que se encontra na arquibancada percebe nitidamente que o ruído se modifica após o carro ter passado por ele. Ouça no vídeo:


Simulação do Efeito Doppler. Fonte: Wikipedia
As frentes de onda, quando estão se aproximando, chegam mais compactadas, fazendo com que se perceba um ruído mais agudo, e quando se afastam, chegam mais espaçadas, e aí percebemos um ruído mais grave.

Parte matemática
A explicação do efeito é relativamente simples. O que é um pouquinho complicado de entender é quando entramos na parte dos cálculos, para determinar o valor das frequências no caso em que somente a fonte sonora ou somente o ouvinte se movimenta, ou no caso mais difícil, quando ambos, fonte e ouvinte se movimentam. A fórmula geral é esta:


Em que:

Fo = Frequência percebida pelo ouvinte
Ff = Frequência da fonte sonora
V  = Velocidade do som
Vo = Velocidade do ouvinte
Vf = Velocidade da fonte sonora

Os sinais de + ou de -  da fórmula devem ser escolhidos seguindo uma convenção em que se considera a orientação positiva SEMPRE no sentido do ouvinte para a fonte sonora. 

Uma boa questão
Recentemente fiz uma prova do Governo do Estado de São Paulo, elaborada pela Vunesp, que serve como parte do processo de Promoção por Mérito do Magistério Paulista.  
Uma das questões envolvia o Efeito Doppler. Veja:

Vou mostrar aqui minha solução. 
Considere duas situações:

Situação 1)
Móvel (fonte sonora) F se aproximando do Caminhão (ouvinte) O:

Neste caso, como comentei acima, a orientação positiva é adotada no sentido da direita para a esquerda da figura abaixo, isto é, do caminhão para o móvel. (SEMPRE do ouvinte para a fonte)


Sabendo que 72 km/h corresponde a 20 m/s,  a fórmula fica:
      (Equação 1)


Situação 2)
Móvel (fonte sonora) F se afastando do Caminhão (ouvinte) O:

A orientação positiva é agora adotada no sentido da esquerda para a direita na figura. (SEMPRE do ouvinte para a fonte)
Como a questão informa que neste caso a frequência percebida pelo ouvinte (Fo) é a metade da frequência da situação 1, a fórmula fica:
   (Equação 2)

Dividindo-se a (Equação 1) pela (Equação 2), obtêm-se:







Assim sendo, a alternativa correta da questão é a (E).

Fontes:
Física, Ciência e Tecnologia. Vol 2. Editora Moderna

A Banda Muse e a 2ª Lei da Termodinâmica

Eu devo confessar que há um bom tempo já não procuro mais conhecer as bandas novas de rock que vão surgindo, mas o amigo Kleber me indicou pelo facebook uma que se apresentou dia 14, no palco do Rock in Rio. Ele pediu para que eu prestasse atenção na letra da música The 2nd Law: Unsustainable, que também dá título ao mais recente álbum desta banda que eu ainda não conhecia, chamada Muse. Clique aqui se quiser ver a reportagem sobre sua apresentação no Rock in Rio. A letra faz uma referência à Segunda Lei da Termodinâmica, e a tradução pode ser vista clicando aqui.
Ao clicar no link com a letra, que meu amigo me passou, não resisti à tentação de ouvir a música, e me surpreendi. Eles usam muitos efeitos e distorções eletrônicas, abusando da tecnologia para produzir um som que me agrada. Eu gosto destes experimentalismos sonoros, que passam a impressão de que a gente está ouvindo algo inovador. Achei também muito original que eles tenham usado e divulgado uma lei da Física para tentar alertar principalmente os jovens fãs sobre a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento adotado atualmente no mundo, em que o consumismo desenfreado, aliado à falta de uma política séria de reciclagem, só faz com que caminhemos para a beira de um abismo sem volta.

A segunda Lei, segundo Richard Feynman
Para entender o que os caras do Muse quiseram dizer na letra, vamos analisar um pouquinho esta específica Lei da Física. Para isso, vou aproveitar para divulgar um livro que já se tornou um clássico, Lectures on Physics, escrito por Richard Feynman (foto). Eu não tinha pensado em comprar o livro até hoje, pois é meio carinho. Custa em torno de R$ 350, um preço salgado para quem, como eu, não pode se dar ao luxo de despender esta quantia, tendo tantas contas essenciais para pagar com meu salário de professor. Mas agora, para a sorte das pessoas que se interessam pela Física, o livro acaba de ser disponibilizado gratuitamente na Internet pelo Caltech (California Institute of Technology), como gentilmente nos informou o professor Dulcídio Braz, em seu excelente blog Física na Veia. Para quem quiser dar uma espiada em um item específico de cada um dos 52 capítulos do livro, clique aqui.

Uma das críticas que Feynman fez à maneira como a Física era ensinada nas escolas brasileiras, nos meses em que esteve por aqui, no início dos anos 50, era a de que os alunos tinham uma carga muito teórica, e não se dava o devido espaço à contextualização dos conceitos, à parte prática, e também ao aprendizado que era feito de maneira mecânica, sem o uso do raciocínio, o que na opinião dele era um grande equívoco.
Eu vou dar ênfase ao item 44-2 do capítulo sobre Termodinâmica - The Second Law, que eu traduzi e adaptei:

"Suponha que montemos um motor térmico composto de uma "caldeira" em determinado local, a uma temperatura T1. Um certo calor Q1 é produzido a partir da caldeira, o vapor se expande e realiza um trabalho W , e , em seguida, transfere o calor Q2 a um "condensador" no outro local, à temperatura T2 (fig. 44-3).
Embora todo mundo achasse antigamente que, de acordo com a teoria do calórico, o calor Q1 teria que ser o mesmo que Q2, Carnot mostrou que eles não eram os mesmos, e isto é parte importante para a compreensão de seu argumento. Na verdade, o calor Q2 corresponde ao calor Q1 que foi fornecido, menos o trabalho W que foi realizado:"
                                         Q2 = Q1 - W 

Relação da letra com a 2ª Lei
Nesta altura, alguns leitores podem estar se perguntando: Mas qual a relação entre a letra da música da banda Muse e toda a explicação que foi dada acima sobre a Segunda Lei?
Acontece que outra característica desta lei é que não pode haver passagem espontânea do calor (Q) de uma fonte fria para uma fonte quente. O que se observa é sempre o inverso. Outra impossibilidade é a conversão integral de calor em trabalho. Ao se construírem as máquinas térmicas, percebeu-se que é sempre necessário haver duas fontes a temperaturas diferentes, de modo que uma parte do calor retirado da fonte quente é rejeitada para a fonte fria. Não se consegue transformar em trabalho todo o calor retirado da fonte quente. Se isso fosse possível, poderíamos construir um navio que retiraria calor da água do mar e, sem a necessidade de uma fonte fria, transformaria todo esse calor em trabalho, o qual poderia movimentar o navio sem necessidade de combustível.

Vamos analisar um trecho da letra:


"Todos os processos naturais e tecnológicos procedem de tal modo que a disponibilidade de energia restante diminui
Em todas as trocas de energia, se nenhuma energia entra ou sai de um sistema isolado, a entropia do sistema cresce
A energia flui continuamente de um estado concentrado pra se tornar, dispersa, espalhada, gasta e inútil.
Novas formas de energia não podem ser criadas e energias de alta escala estão sendo destruídas. Uma economia baseada em crescimento infinito é...Insustentável."

Em um sistema fechado, a energia fornecida não pode se converter totalmente em trabalho, e assim, provavelmente o que eles estão tentando dizer é que este sistema não pode se auto-sustentar indefinidamente.
E agora, para relaxar, após tanta teoria, que tal curtir o clipe da banda?


Fontes:
Física Conceitual - Paul G. Hewitt - 9ª Edição - Editora Bookman
Universo da Física - Vol 2 - José Luiz Sampaio, Caio Sérgio Calçada - Editora Atual
http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_lei_da_termodin%C3%A2mica
http://feynmanlectures.caltech.edu/I_44.html#Ch44-S2

O poder de fogo dos espelhos côncavos


Os espelhos côncavos têm o poder de concentrar os raios solares em um determinado ponto, chamado de foco (F), mostrado na figura. Nesta semana eu estava assistindo à TV quando noticiaram sobre um prédio novo que está sendo construído na Inglaterra, e que está causando problemas devido aos vidros espelhados usados na fachada em formato côncavo. Assista:


É inacreditável que os arquitetos e engenheiros tenham se esquecido de considerar o efeito de concentração dos raios solares refletidos na fachada do prédio, um erro que custará caro para ser consertado no projeto. O fato é que este efeito de concentração de raios paralelos no foco de um espelho côncavo já é amplamente conhecido desde a antiguidade. Até existe uma lenda de que Arquimedes teria construído a primeira arma tecnológica da História, queimando as velas dos navios inimigos através da aplicação do mesmo princípio, usando para isso escudos de bronze dos soldados gregos. Bem, eu chamo de lenda pois assisti a um programa dos Caçadores de Mitos, na Discovery, em que eles tentaram reproduzir há alguns anos esta experiência sem sucesso, em uma universidade dos EUA, usando até mesmo centenas de espelhos comuns no lugar de superfícies metálicas de bronze. Apesar disso, esta história já fez parte do exame vestibular da Unicamp, em que eles dão a entender que o fato teria realmente ocorrido e funcionado. Vamos resolvê-la:

Uma das primeiras aplicações militares da ótica ocorreu no século III a.C. quando Siracusa estava sitiada pelas forças navais romanas. Na véspera da batalha, Arquimedes ordenou que 60 soldados polissem seus escudos retangulares de bronze, medindo 0,5 m de largura por 1,0 m de altura. Quando o primeiro navio romano se encontrava a aproximadamente 30 m da praia para atacar, à luz do sol nascente, foi dada a ordem para que os soldados se colocassem formando um arco e empunhassem seus escudos, como representado esquematicamente na figura abaixo. Em poucos minutos as velas do navio estavam ardendo em chamas. Isso foi repetido para cada navio, e assim não foi dessa vez que Siracusa caiu. Uma forma de entendermos o que ocorreu consiste em tratar o conjunto de espelhos como um espelho côncavo. Suponha que os raios do sol cheguem paralelos ao espelho e sejam focalizados na vela do navio.
a) Qual deve ser o raio do espelho côncavo para que a intensidade do sol concentrado seja máxima? 
b) Considere a intensidade da radiação solar no momento da batalha como 500 W/m2. Considere que a refletividade efetiva do bronze sobre todo o espectro solar é de 0,6, ou seja, 60% da intensidade incidente é refletida. Estime a potência total incidente na região do foco.

Soluções:
a) Sabe-se, da teoria e propriedades dos espelhos côncavos, que a distância entre o ponto de concentração máxima dos raios paralelos do sol e o espelho, chamada de distância focal, é sempre a metade do raio de curvatura. Então, o raio do espelho deve ser de 60 metros.


b) A área de cada escudo é de 0,5 m². 60 deles dá 30 m². A radiação solar, sendo de 500 W/m²,  dá um total de 15.000 W. Ao refletir, apenas 60% desta radiação é transmitida, o que resulta em uma resposta de 9.000 W.

Comentários: Só para fazermos uma comparação, a potência do forno de microondas de nossas casas é de aproximadamente 2.000 W.

Acredito que, para ter derretido até partes plásticas de um carro, no caso do prédio inglês, a potência no local tenha alcançado índices próximos do calculado na questão acima. Uma dor de cabeça para os projetistas, que poderia ter sido evitada se eles não tivessem se esquecido das aulas básicas de óptica, ensinadas na física do ensino médio.

Fontes:

http://www.comvest.unicamp.br/vest2000/provas/fase2/fisica/fisica.html
http://g1.globo.com/planeta-bizarro/noticia/2013/09/predio-derrete-jaguar-com-reflexo-do-sol-na-inglaterra.html