Nos dias de hoje, todo estudante entende o significado do zero. Então porque será que na história da humanidade ele custou tanto a ser aceito?
Duas concepções do zero
Para entendermos bem a história do surgimento do zero, inicialmente temos que diferenciar os seus dois conceitos:
1) o zero como um símbolo, para representar o nada.
2) o zero como um número, usado nos cálculos.
É comum as pessoas pensarem que os dois são a mesma coisa, no entanto, a história nos mostra algo diferente.
O conceito do zero representando o nada, por ser mais fácil de perceber, também foi aquele que primeiramente se popularizou. Já para entender o surgimento do conceito de zero como número, é preciso antes compreender como funcionam os sistemas numéricos posicionais.
Sistema Numérico Posicional
O primeiro sistema posicional de números foi usado na Babilônia, a partir de 1800 a.C. Havia apenas dois símbolos, um para o algarismo 1 e outro para o algarismo 10. Eles serviam para representar números até o 59. Veja a tabela:
Os babilônios não agrupavam de 10 em 10 (base 10) como nós, mas sim de 60 em 60. O sistema sexagesimal (base 60) teve sua origem especificamente na contagem do tempo, e até hoje o sucesso deste sistema se reflete em nossas unidades de tempo e medidas de ângulos.
Para facilitar a explicação de como surgiu a necessidade de acrescentar-se o zero aos numerais, utilizarei dois números como exemplo: 61 e 3601.
No nosso sistema, de base 10, estes números poderiam ser representados assim:
E veja como estes mesmos números seriam representados na numeração dos babilônios, de base 60:
Note que poderia haver confusão na interpretação. Para diferenciar um do outro, no caso da representação do número 3601 deixava-se um pequeno espaço entre os símbolos, que algumas vezes podia passar despercebido. A necessidade de evitar esta ambiguidade tornou-se cada vez mais evidente, e isto deve ter se intensificado por volta de 300 a.C. quando então teria surgido pela primeira vez na história um símbolo do número zero. Eles usaram duas pequenas flechas viradas para baixo. Veja:
Enfrentando o vazio
Na Grécia Clássica, a civilização certamente não estava preparada para encarar as complexidades do zero. O pensamento grego seguia a ideia de que os números expressavam formas geométricas. Então, a que forma corresponderia algo que não existia de fato? A total ausência de algo - o vazio - era um conceito repudiado pela cosmologia dominante da época.
Brahmagupta foi o primeiro a tratar os números como quantidades puramente abstratas, separadas de qualquer realidade física ou geométrica. Isso lhe permitiu considerar questões heterodoxas que os babilônios e gregos tinham ignorado ou dispensado, como o que acontece quando você subtrai de um número, um número de maior tamanho. Em termos geométricos isto seria um absurdo. Que área restaria quando uma área maior fosse subtraída?
Entretanto, a partir do momento em que os números se tornam entidades abstratas, uma nova gama de possibilidades se abre: o mundo dos números negativos.
Enquanto comerciantes e banqueiros rapidamente se convenceram da utilidade do sistema hindu-arábico, as autoridades estavam menos apaixonadas. Em 1299, a cidade de Florença, na Itália, proibiu o uso dos numerais hindu-arábicos, incluindo o zero. Eles consideravam que a capacidade de inflar enormemente o valor de um número, simplesmente adicionando um dígito ou dígitos no final - uma facilidade que não era disponível no então sistema dominante não-posicional dos algarismos romanos - poderia ser um convite aberto à fraude.
Mais tarde, o número zero teria uma tarefa ainda mais difícil. Cismas, revoltas, reforma e contra-reforma na Igreja suscitaram debates contínuos a respeito do valor das ideias de Aristóteles sobre o Cosmos. Só a revolução de Copérnico, revelando que a Terra se move em torno do Sol (figura), começou lentamente a agitar a matemática européia na direção de livrar-se dos grilhões da cosmologia aristotélica, a partir do século 16.
Por volta do século 17, a cena finalmente já estava criada para o triunfo do zero. É difícil apontar para um único evento marcante. Talvez tenha sido o advento do sistema de coordenadas inventado pelo filósofo e matemático francês René Descartes. Seu sistema cartesiano unificava álgebra e geometria para dar a cada forma geométrica uma nova representação simbólica, com o zero colocado como coração imóvel do sistema de coordenadas, em seu centro. O zero estava, portanto, longe de ser irrelevante para a geometria, como os gregos haviam sugerido. Agora ele era essencial para ela.
Logo depois, a nova ferramenta de cálculo mostrou pela primeira vez como apreciar o nulo incorporado ao infinitamente pequeno, para explicar como tudo no Cosmos poderia mudar sua posição, tanto uma estrela como um planeta. Assim, uma melhor compreensão do zero tornou-se o fusível da revolução científica que se seguiu. Eventos subsequentes confirmaram o quão essencial foi o zero para a matemática e tudo o que se edificou com ela.
Olhando as diversas utilidades do zero hoje é difícil imaginar como sua aceitação pôde ter causado tanta confusão e angústia. Definitivamente, um caso de muito barulho por nada.
Fonte:
http://www.newscientist.com/article/mg21228390.500-nothingness-zero-the-number-they-tried-to-ban.html
Em grande parte, a influência de Aristóteles e seus discípulos, representava uma visão de mundo que via os planetas e estrelas inseridos em uma série de esferas celestes concêntricas de extensão finita (figura). Essa esferas, todas centradas na Terra, estariam preenchidas com uma substância etérea, e postas em movimento por um "motor imóvel". A filosofia cristã viu no motor imóvel uma identidade de Deus, e uma vez que não havia lugar para um vazio nesta cosmologia, seguia-se a ideia de que tudo que fosse associado ao vazio era um conceito que negava também a existência de Deus.
A filosofia oriental, enraizada nas ideias de ciclos de criação e destruição, também não sentiria falta do zero. Ele encontrou apoio na Índia, através de matemáticos e astrônomos, como por exemplo, Brahmagupta, por volta de 628 d.C.Brahmagupta foi o primeiro a tratar os números como quantidades puramente abstratas, separadas de qualquer realidade física ou geométrica. Isso lhe permitiu considerar questões heterodoxas que os babilônios e gregos tinham ignorado ou dispensado, como o que acontece quando você subtrai de um número, um número de maior tamanho. Em termos geométricos isto seria um absurdo. Que área restaria quando uma área maior fosse subtraída?
Entretanto, a partir do momento em que os números se tornam entidades abstratas, uma nova gama de possibilidades se abre: o mundo dos números negativos.
Enquanto comerciantes e banqueiros rapidamente se convenceram da utilidade do sistema hindu-arábico, as autoridades estavam menos apaixonadas. Em 1299, a cidade de Florença, na Itália, proibiu o uso dos numerais hindu-arábicos, incluindo o zero. Eles consideravam que a capacidade de inflar enormemente o valor de um número, simplesmente adicionando um dígito ou dígitos no final - uma facilidade que não era disponível no então sistema dominante não-posicional dos algarismos romanos - poderia ser um convite aberto à fraude.
Mais tarde, o número zero teria uma tarefa ainda mais difícil. Cismas, revoltas, reforma e contra-reforma na Igreja suscitaram debates contínuos a respeito do valor das ideias de Aristóteles sobre o Cosmos. Só a revolução de Copérnico, revelando que a Terra se move em torno do Sol (figura), começou lentamente a agitar a matemática européia na direção de livrar-se dos grilhões da cosmologia aristotélica, a partir do século 16.
Por volta do século 17, a cena finalmente já estava criada para o triunfo do zero. É difícil apontar para um único evento marcante. Talvez tenha sido o advento do sistema de coordenadas inventado pelo filósofo e matemático francês René Descartes. Seu sistema cartesiano unificava álgebra e geometria para dar a cada forma geométrica uma nova representação simbólica, com o zero colocado como coração imóvel do sistema de coordenadas, em seu centro. O zero estava, portanto, longe de ser irrelevante para a geometria, como os gregos haviam sugerido. Agora ele era essencial para ela.
Logo depois, a nova ferramenta de cálculo mostrou pela primeira vez como apreciar o nulo incorporado ao infinitamente pequeno, para explicar como tudo no Cosmos poderia mudar sua posição, tanto uma estrela como um planeta. Assim, uma melhor compreensão do zero tornou-se o fusível da revolução científica que se seguiu. Eventos subsequentes confirmaram o quão essencial foi o zero para a matemática e tudo o que se edificou com ela.
Olhando as diversas utilidades do zero hoje é difícil imaginar como sua aceitação pôde ter causado tanta confusão e angústia. Definitivamente, um caso de muito barulho por nada.
Fonte:
http://www.newscientist.com/article/mg21228390.500-nothingness-zero-the-number-they-tried-to-ban.html