A importância da matemática na detecção das Ondas Gravitacionais


Não é sempre que a física produz notícias que se tornam mais visíveis na mídia do que as notícias sobre política, crimes ou esportes. Mas agora, em um espaço de tempo de quatro anos, surgiram duas delas que foram muito divulgadas: a descoberta do bóson de Higgs em 2012 e recentemente a detecção das vibrações do espaço-tempo conhecidas como ondas gravitacionais.

Ambas as descobertas foram consideradas pelos físicos como grandes realizações. A verificação da existência do bóson confirmou a explicação dada pela ciência sobre a origem das massas das partículas fundamentais. As ondas gravitacionais, por outro lado, confirmaram, em especial, que os buracos negros, por vezes, emparelham-se, girando em torno de si e, em seguida, fundem-se produzindo uma explosão cataclísmica. Durante um breve instante de tempo, essa explosão, detectada em setembro de 2015 pelo AdLIGO (um observatório muito grande localizado nos EUA, cujo funcionamento eu expliquei neste post de meu blog) produziu mais de 50 vezes a energia de todas as estrelas do universo juntas, como informou o físico Kip Thorne, durante a conferência de imprensa em 11 de fevereiro, no momento em que anunciou a descoberta.

Quase todos os físicos acreditavam firmemente que o Higgs teria de existir (ou então que teriam passado suas carreiras acreditando em um falso modelo matemático). Da mesma forma, ninguém duvidava que Einstein estava certo sobre  as ondas de gravidade (ou que a sua teoria da relatividade geral estava correta na previsão da existência delas - houve um tempo em que o próprio Einstein teve suas dúvidas). Ambas as descobertas têm algo em comum que reflete uma realização ainda mais surpreendente: o poder da mente humana para discernir características profundamente escondidas sobre a realidade física.
Em ambos os casos, a ideia de que tais fenômenos exóticos existiriam veio do poder do cérebro humano - decifrar o significado físico dos símbolos matemáticos manipulados apenas com a utilização de lápis e papel. Experimentalistas sabiam onde (e como) procurar apenas seguindo roteiros criados pelas mentes dos seres humanos, os quais podiam ver o significado oculto em sua matemática.
Peter Higgs deduziu a existência de uma nova partícula, contemplando as consequências de algumas equações complicadas. Seu artigo apresentando as equações foi rejeitado (os revisores diziam que era apenas matemática sem significado físico). Então Higgs olhou para as equações novamente e notou que estava implícita a existência da partícula, agora nomeada em homenagem a ele. De alguma forma, a sua matemática mostraria algo sobre o universo que ninguém mais tinha suspeitado anteriormente.
Einstein, de forma semelhante, descobriu que havia muito mais física na matemática da relatividade geral do que ele inicialmente conhecia. Após anos de luta, ele reuniu as equações que descrevem a gravidade, e previu com precisão a curvatura da luz de uma estrela passando próxima ao sol. Um pouco mais tarde, ele olhou para suas equações novamente e percebeu que elas continham uma surpresa: ondulações no tecido do espaço-tempo que enviariam mensagens através do universo. Mas como seriam muito fracas, pensou, jamais poderiam ser detectadas por nós.

Mais tarde, Einstein perdeu a fé em sua própria matemática. Na década de 1930, ele tentou mostrar que as ondas gravitacionais não existiriam realmente. Ele preparou um documento tentando mostrar que elas eram fantasmas puramente matemáticos, e não fenômenos com efeitos físicos reais. Mesmo assim, as ondas de gravidade permaneceram como uma implicação teórica da relatividade geral.

Examinando a história da física encontram-se mais exemplos do poder da matemática revelando segredos da realidade. A relatividade geral forneceria mais surpresas do que apenas as ondas gravitacionais, por exemplo. Os buracos negros, as lentes gravitacionais e até, de certa forma, a expansão do universo surgiram a partir das equações de Einstein, antes mesmo de qualquer astrônomo observá-los. Os Quarks, os constituintes dos prótons e nêutrons, mostrou-se na matemática de Murray Gell-Mann antes das provas de sua existência terem sido reveladas em aceleradores de partículas. A antimatéria, o combustível do futuro, na ficção científica, tornou-se um fato científico na mente matemática de Paul Dirac antes dos experimentalistas notarem antipartículas nos raios cósmicos.

Talvez o análogo mais próximo das ondas gravitacionais, porém, tenha sido o aparecimento das ondas de rádio na matemática de James Clerk Maxwell descrevendo o eletromagnetismo. Na década de 1860, Maxwell trabalhou a matemática da eletricidade e do magnetismo e descobriu que a própria luz é uma onda eletromagnética. 
Maxwell quase instantaneamente percebeu que outras ondas eletromagnéticas de frequências diferentes poderiam existir. Duas décadas mais tarde, o físico alemão Heinrich Hertz (figura) procurou e encontrou as novas ondas que Maxwell havia previsto. 

Não se acredita que as ondas gravitacionais irão revolucionar a sociedade da maneira como aconteceu com as ondas de rádio. Mas elas certamente irão abrir um novo campo para explorar o cosmos, da mesma forma como foi feita com os radiotelescópios. De qualquer maneira, independentemente da sua eventual utilização prática, as ondas de gravidade irão sempre ficar como um sinal de que a matemática concebida na mente humana coexiste, em certo sentido, com o tecido da realidade.