A Física Quântica e as cores

Quando dou aulas de Física e entro no ramo da Óptica, sempre faço uma definição simples do que é a luz, e explico aos meus alunos como enxergamos as cores dos objetos, de acordo com a frequência que eles absorvem e/ou refletem para os nossos olhos, ao serem iluminados por luz branca ou outra luz monocromática qualquer. Já tratei deste assunto aqui, bem resumidamente, quando escrevi o post "As Diversas Visões", em 2012. No entanto, há sempre uma explicação mais complexa para qualquer assunto de Física. 
Esta semana, lendo as páginas de Ciências que eu sigo no Facebook, deparei-me com um artigo interessante, relacionado ao tema das cores, muito bem escrito por um professor americano, que de maneira relativamente simples e didática me fez entender um pouco melhor estas questões envolvendo o mecanismo da visão das cores. Fiz a tradução, e postei aqui no meu blog para quem se interessar. Deixei também o link do artigo original, no final deste post.

O autor, Chad Orzel, é Professor Associado no Departamento de Física e Astronomia da Union College e escreve livros sobre ciência para não-cientistas, o que ajuda muito, facilitando o entendimento destes temas por vezes complexos demais para quem não está familiarizado com termos de mecânica quântica ou dos complicados mecanismos envolvidos nas estruturas atômicas e moleculares. O professor Chad é bacharel em Física pelo Williams College e Ph.D. em Físico-Química pela Universidade de Maryland, além de possuir outros títulos. Quem quiser conhecer um pouco mais sobre ele, e os livros que ele já escreveu, é só clicar no link com seu nome, aí em cima. Vamos ao belíssimo artigo ?

The (Mostly) Quantum Physics Of Making Colors

Chad Orzel

Uma semana atrás, eu recebi uma pergunta no Facebook que foi retransmitida por uma das crianças de um amigo da faculdade, que eu parafraseio como "Qual é a explicação física do que dá aos objetos a sua cor?" É uma boa pergunta, mas infelizmente não há uma resposta simples além de "é complicado ..." o que a torna um bom motivo para um post no blog.

Para começar a responder, porém, é importante deixar claro sobre o que queremos dizer quando falamos sobre "a cor" de alguma coisa. Quando falamos de um objeto ter uma cor no sentido normal (não no sentido da cromodinâmica quântica, em que os quarks interagentes têm "cor", e na  qual "cor" é apenas uma palavra usada para indicar uma propriedade com três valores), estamos falando de luz, especificamente a luz que atinge nossos olhos a partir daquele objeto. Dependendo da condição exata do objeto, existem vários processos físicos diferentes que podem estar envolvidos e, provavelmente, em algum nível, quase todos se relacionam com a mecânica quântica.
1) A Natureza Ondulatória dos Elétrons: Se o objeto em questão tem uma pequena quantidade de vapor difuso que está emitindo sua própria luz, a cor que vemos é determinada pela física quântica. Os átomos são compostos de elétrons carregados negativamente ligados a um núcleo carregado positivamente, e a natureza ondulatória dessas coisas seleciona um conjunto único de estados especiais que têm energia bem definida devido à sua interação. Quando os elétrons em um átomo são excitados para um dos estados de energia mais alta (digamos, sendo aquecidos em um incêndio ou excitados em uma descarga de plasma como ocorre em uma luz fluorescente), eles eventualmente retornarão a estados de energia mais baixos emitindo espontaneamente fótons de luz cuja frequência depende da diferença de energia entre o estado inicial e final.

Cada elemento tem um número diferente de elétrons, e as interações entre eles deslocam os estados de energia permitidos de modo que cada elemento tenha um conjunto único de níveis de energia. Isso que dizer que cada um deles possui um conjunto exclusivo de diferenças entre os níveis, ou seja, um conjunto específico de "linhas espectrais", intervalos estreitos de frequência que serão emitidos. Esta coleção de linhas determina a cor que vemos a partir de uma amostra desse elemento, um fato que tem sido usado para identificar substâncias químicas desde a década de 1860 (aproximadamente seis décadas antes que alguém entendesse a física quântica que determina as linhas espectrais).

2) A Natureza da Luz como partícula: Se o objeto em questão tem uma coleção suficientemente grande de átomos, e está muito quente, outro fenômeno quântico essencial entra em ação, fazendo com que o objeto emita luz colorida de um modo muito diferente. Isso produz um amplo "espectro do corpo negro", emitindo luz em uma enorme gama de frequências.

Ao contrário das linhas espectrais dos átomos, esse espectro do corpo negro não depende da composição do material, apenas da sua temperatura - é o brilho vermelho característico de um objeto quente, que é o mesmo para todos os materiais. Um bastão de ferro preto e um vidro claro, aquecidos à mesma temperatura, emitirão o mesmo espectro de luz.

A natureza simples e universal desse problema sugere que ele deveria ter uma explicação simples e universal, a qual foi perseguida por muitos físicos no final do século 19. No final, a explicação encontrada por Max Planck é simples e elegante, mas não é o que os físicos do século 19 esperavam: vem da natureza da luz atuando como partícula, onde um feixe de luz é um fluxo de fótons, cada um carregando uma discreta quantidade de energia determinada pela frequência. Então, se você está olhando para a cor da luz da resistência elétrica quente de uma torradeira ou de uma lâmpada incandescente acesa, você está tendo uma percepção da natureza quântica da luz.
Imagem de fluorescência multifotônica de células HeLa coradas com a toxina de ligação a actina faloidina (vermelho), microtúbulos (ciano) e núcleos de células (azul).

3) A Natureza Ondulatória dos Elétrons II: Se o objeto de interesse é composto de mais de um tipo de átomo, mas não suficientemente quente para emitir uma radiação visível do corpo negro, você pode ver faixas largas de cor emitidas que não estão associadas aos átomos individuais, mas às moléculas de múltiplos átomos, como as proteínas fluorescentes que os biólogos usam para rotular diferentes partes das células sob um microscópio. Quando você reúne múltiplos átomos, seus elétrons acabam sendo compartilhados entre esses átomos, e há muitas maneiras bem semelhantes de fazer esse compartilhamento, com energias ligeiramente diferentes. Isso faz com que os estados de energia extremamente estreitos dos átomos se ampliem em coleções de números enormes de estados muito próximos. Isto, por sua vez, leva a um enorme número de linhas espectrais muito próximas umas das outras, que se misturam para se parecerem com bandas contínuas de cor. Tal como acontece com os átomos, cada molécula tem uma coleção única e, portanto, emitirá um conjunto único de cores.
Corantes em pó utilizados para o Festival Holi na Índia

4) A Natureza Ondulatória dos Elétrons IIa: Se o objeto de interesse não está recebendo energia de modo a fazer com que ele emita luz própria, a luz que vemos é somente a luz refletida a partir de outra fonte primária a partir da qual o objeto foi iluminado. Nesse caso, grande parte da cor vem do processo oposto ao descrito acima: a absorção de luz levando os elétrons de estados de baixa energia para os de alta energia.

Assim como as propriedades de emissão descritas acima, a cor que você obtém dessa maneira depende, em última análise, da física quântica dos átomos e moléculas que compõem o objeto, mas, nesse caso, o efeito não é adicionar luz de uma cor característica, mas removê-la. A luz de uma determinada frequência que cai dentro da faixa correta será absorvida pelo objeto, enquanto o resto da luz será refletida, de modo que a cor que vemos reflete a ausência das frequências absorvidas.

Isto é o que acontece com a maioria dos corantes e pigmentos, então grande parte das cores que vemos nos objetos do dia-a-dia se deve a esse processo.
Ampliação de penas iridescentes de peru.

5) A Natureza Ondulatória da Luz: Esta é a única na lista que não é realmente quântica. Existem duas maneiras de produzir cores que não dependem das propriedades quânticas de átomos e moléculas, mas sim da estrutura do material que compõe o objeto em escala microscópica. Ambas confiam no fato de que ondas de luz de duas fontes próximas podem se sobrepor de uma maneira tal que isso amplia as ondas ou as cancela.

O caso mais simples usa uma estrutura que consiste em muitas folhas planas ou escalas (quase) sobrepostas. Elas refletem todas as cores da luz em todas as direções, mas para ângulos de reflexão particulares, a distância percorrida pela luz de duas superfícies vizinhas em direção ao olho será diferente por um múltiplo exato de um determinado comprimento de onda. Nesse caso, essas ondas reforçam umas às outras, e você vê um reflexo brilhante daquela cor particular naquele ponto específico da superfície. Um ponto diferente a uma curta distância refletirá a luz em seus olhos em um ângulo ligeiramente diferente e, assim, você verá uma cor diferente refletida. Isso leva à cor cintilante de um objeto iridescente, que muda dependendo do ângulo que você está olhando.

Há também uma versão não iridescente de um processo similar, que é responsável pelas cores azuis nas penas de muitas espécies de aves. Neste caso, a estrutura responsável é uma teia complicada de filamentos espaçados por uma quantidade similar ao comprimento de onda da luz azul. Ondas desse comprimento de onda que tentam atravessar esse material se anularão mutuamente, fazendo um "intervalo de banda" que exclui essas frequências; desde que a luz incidente não possa entrar no material, ela é refletida, e isso dá a cor característica.
Barras de Ouro, alumínio, aço e cobre.

6) A Natureza Ondulatória dos Elétrons III: Talvez possamos chamar de cor "brilhante", mas o processo final relacionado à composição de um objeto material é o responsável pela ampla reflexão de muitos metais. Isso novamente tem a ver com a natureza quântica dos elétrons, especificamente o que acontece quando você coloca um grande número deles em um cristal sólido.

O processo-chave é semelhante ao que descrevi acima em relação às moléculas: os elétrons são compartilhados entre todos os átomos do cristal, levando a um número incontavelmente enorme de estados extremamente próximos que se comportam como uma faixa contínua de energias. Se a energia das bandas permitidas em um material e o número de elétrons nessas bandas se romperem da maneira correta, você acabará com um condutor elétrico, no qual os elétrons estarão efetivamente livres para se mover através do material com muito pouca resistência.

Se você aplicar um campo elétrico a um condutor, os elétrons distribuídos uniformemente através do cristal se reorganizarão rapidamente em resposta ao campo, até que a nova distribuição desigual crie seu próprio campo que anula o campo que você está tentando aplicar. Isso funciona tanto para uma distribuição estática como para um objeto carregado trazido para perto, como também para um campo oscilante como uma onda de luz, razão pela qual os condutores elétricos também tendem a ser metais brilhantes, refletindo a luz em uma ampla gama de comprimentos de onda.

É claro que "resistência muito pequena" não seria propriamente resistência, então há um limite para a rapidez com que os elétrons em qualquer condutor real possam se reorganizar. Isso significa que há uma frequência máxima de luz para a qual qualquer determinado condutor pode impedir a entrada de luz; em frequências mais altas, os elétrons se movem muito devagar, e a refletividade cai porque, na verdade, parte da luz pode penetrar. Isto explica por que diferentes metais brilhantes têm cores diferentes: a frequência máxima para o ouro é um pouco menor do que para a prata, então o ouro é um melhor refletor para luz vermelha e amarela de baixa frequência do que luz azul de alta frequência, fazendo-a parecer amarelada. A prata reflete tanto a luz azul quanto a vermelha, por isso não tem tanta cor.

7) Biologia Quântica: O determinante final da cor que vemos não depende do objeto que está sendo visto, mas da visão do observador. Os vários processos descritos acima determinam o espectro da luz que vem aos nossos olhos de um determinado objeto, mas, em última análise, a "cor" que vemos é uma função da interpretação do nosso cérebro.

Esse processo também tem um componente quântico, em que nossos olhos detectam a luz usando diferentes receptores moleculares que absorvem variações características de comprimentos de onda (um predominantemente vermelho, um predominantemente amarelo, um predominantemente azul-verde). Nossos cérebros captam os sinais desses três receptores e os combinam para produzir uma única sensação de "cor".
Este sistema leva a algumas peculiaridades que podem ser exploradas com grande efeito. Como processamos cores com base na resposta de três receptores diferentes, podemos enganar o olho para ver uma cor que não está lá usando uma mistura de três outras cores. Seja qual for o dispositivo em que você esteja lendo este texto, notebook ou celular, a tela usa um sistema que produz a luz em três comprimentos de onda correspondentes ao vermelho, verde e azul (RGB) que mistura habilmente diversas combinações que convencem o cérebro a ver luz nos comprimentos de onda que na verdade não estão lá.

Assim, como podemos ver, a única resposta simples para "Qual é a explicação física do que dá aos objetos sua cor?" é "É complicado ..."

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