A Física ajudando no desenvolvimento das vacinas

Coronavírus: imagem mostra vírus atacando células humanas (Flickr/Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos/Divulgação)
Para desenvolver uma vacina nova contra um vírus recém-descoberto, é preciso entender a maneira como esses vírus entram nas células, como eles as usam para se autorreplicarem, e de que forma um determinado antígeno pode neutralizá-los. Esses processos envolvem estruturas moleculares muito pequenas. Os microscópios eletrônicos são importantes, mas não seria possível caracterizá-las de forma mais completa sem o auxílio de outro poderoso instrumento que permite obter medidas precisas de suas massas. Esse instrumento é conhecido como espectrômetro de massa, e sem ele, provavelmente as batalhas travadas para a descoberta de novas vacinas seriam mais extensas e demoradas.

Campo magnético e espectrômetro   
Vou mostrar um dos processos envolvidos no funcionamento de um espectrômetro de massa, a partir de um experimento simples que realizei usando ímãs, duas diferentes esferas de aço e uma rampinha improvisada com réguas. Primeiramente fiz descer pela rampa a esfera mais pesada. Pode-se notar que ao passar pelo campo magnético ela sofre um pequeno desvio, devido à força de atração exercida pelo ímã. Logo após, fiz descer outra esfera mais leve, e pode-se ver claramente que ela sofre um desvio maior. O que isso mostra? Que objetos mais pesados desviam menos as suas trajetórias. Isso de certa forma parece um tanto intuitivo, mas a visualização do efeito no vídeo ajuda a entender.
Mas o que isso tem a ver com o espectrômetro de massa?
Substitua as esferas do meu experimento por íons obtidos de microscópicas partículas, presentes nos vírus, proteínas, e antígenos, que são peças importantes das pesquisas sobre vacinas, mas que, ao contrário das esferas de aço, não poderiam ter suas massas medidas em uma balança (foto).
Na química, a maioria dos átomos e moléculas têm suas massas conhecidas. Assim, sabendo o valor da massa total de um composto, pode-se chegar à sua constituição, ou seja, de que material ele é formado. Em um espectrômetro de massa, íons são arremessados em um campo magnético e sofrem diferentes desvios. Essas partículas desviadas são captadas por um detector, e a partir daí, com auxílio de programas de computação, os pesquisadores descobrem quais são os compostos analisados no experimento. 

Se você desejar entender um pouco melhor o funcionamento de um espectrômetro de massa, eu sugiro que assista o vídeo a seguir.
Pra quem vai fazer vestibular.
A Unicamp cobrou no seu vestibular de 2020 uma questão sobre espectrômetro de massa. Vou usar a imagem e solução feita pelo pessoal do Curso Objetivo. Vamos à questão:

Julho de 2019 marcou o cinquentenário da chegada do homem à Lua com a missão Apollo 11. As caminhadas dos astronautas em solo lunar, com seus demorados saltos, são imagens emblemáticas dessa aventura humana. A espectrometria de massas é uma técnica que pode ser usada na identificação de moléculas da atmosfera e do solo lunar. A figura mostra a trajetória (no plano do papel) de uma determinada molécula ionizada (carga) que entra na região de campo magnético do espectrômetro, sombreada na figura, com velocidade de módulo 3,2 105 m/s. O campo magnético é uniforme e perpendicular ao plano do papel, dirigido de baixo para cima, e tem módulo B=0,4T. Como ilustra a figura, na região de campo magnético a trajetória é circular de raio R=36 cm, e a força centrípeta é dada pela força magnética de Lorentz, cujo módulo vale F=qVB. Qual é a massa m da molécula?


 

Agora, os links de dois artigos científicos sobre vacina, que citam o uso de espectrômetro de massa:
1) Neste, em inglês, os cientistas explicam como fazem para medir as várias estruturas das proteínas quando elas se agregam aos vírus, o que permite estudar o comportamento isolado e associado de cada uma.
 2) Neste, uma pesquisadora brasileira mostra como usar espectrômetros de massa para analisar os poros de nanotubos de silício que podem ser usados para desenvolver uma vacina oral para o vírus da hepatite B.

Será que chegam logo as vacinas orais contra a Covid?

Você já imaginou se houvesse uma vacina contra a Covid-19 que pudesse ser tomada em forma de gotinhas, pela boca? 
Não precisaríamos de seringas e agulhas, e nem tampouco de pessoal qualificado para aplicá-las. E o que é mais importante: talvez fosse possível vacinar mais rapidamente um número maior de pessoas.

Saiba que já existem pesquisas nesse sentido, e alguns equipamentos e técnicas desenvolvidas pelo estudo da Física tem ajudado muito os pesquisadores a descobrir novas formas de combater o vírus. Existe no mundo um grande investimento em investigação e inovação, pois a pandemia tem mostrado como são fundamentais, se queremos oferecer soluções que nos permitam que nossas economias e sociedades se preparem melhor para uma eventual próxima crise.

Aqui no Brasil, desde 2004, a professora Márcia Fantini (foto), do Instituto de Física da USP, em parceria com o Instituto Butantan, pesquisa uma maneira de desenvolver uma vacina oral contra o vírus da Hepatite B, doença para a qual existem atualmente apenas vacinas injetáveis. Se tudo der certo, a mesma técnica poderá ser aplicada no caso da Covid-19.

“Nas vacinas administradas por via oral, o desafio é fazer o antígeno, substância que gera a resposta imune à doença, chegar ao intestino, onde será absorvido pelo organismo, sem ser destruído pelo suco gástrico ao passar pelo estômago", diz Márcia.
 
Os cientistas estão desenvolvendo materiais microscópicos que protegem os antígenos. Um destes materiais é a sílica. Como a estrutura da sílica possui poros, ou seja, espaços vazios, a ideia é usar estes espaços para servirem como veículo protetor dos antígenos. Para que isso seja possível, eles usam técnicas avançadas de caracterização de materiais (microscopia eletrônica de transmissão com varredura, espectroscopia de absorção de raios X, imageamento por contraste de fase por raios X e tomografia de nêutrons), todas desenvolvidas pela área da Física.
Você se interessou em saber mais detalhes?   Clique aqui

Imagens microscópicas das máscaras faciais

Uma boa maneira de entender por que algumas máscaras filtram as partículas com maior ou menor eficiência do que outras é através da imagem ampliada das fibras dos tecidos dos quais elas são feitas. Essas ampliações revelam detalhes invisíveis desses acessórios que agora se tornaram parte essencial de nossas vidas.
Enquanto alguns cientistas continuam a mostrar como as máscaras podem ser eficazes para retardar a disseminação do novo coronavírus, especialmente quando elas têm um bom ajuste e são usadas corretamente, outros adotaram abordagens microscópicas. Texturas em microescala dão boas pistas das diferenças das propriedades de cada uma, e podem explicar a capacidade de cada tecido de filtrar aerossóis.
 
A natureza aleatória das fibras de algodão, com sua textura enrugada e formas complexas, permite explicar por que ele captura mais partículas em nanoescala do que outros tecidos (foto).
Fibras de algodão: Uma rede de fibras de algodão. Este arranjo caótico dá às fibras oportunidades adicionais para agarrar as partículas à medida que estas fluem através do tecido. (*)

Em contraste, tecidos de poliéster como o rayon, apresentam fibras altamente organizadas, em sua maioria retas e lisas, o que os torna menos eficientes como máscaras faciais (foto).
Fibras de rayon: As ranhuras correm ao longo do comprimento das fibras. Ao contrário das fibras de algodão, essas estruturas facilitam o movimento das partículas de um lado para o outro. (*)

Os tecidos feitos de algodão também fornecem proteção adicional ao absorver a umidade do ar. Como o algodão absorve a água, ele incha em ambientes úmidos, o que dificulta a passagem das partículas pela máscara. As máscaras de poliéster como o náilon, por outro lado, repelem a água, então não há benefício adicional.
Mistura de poliéster-algodão: Fibras de algodão natural (claro) contrastam com fibras de poliéster (azul) nesta imagem com cores falsas. As fibras de poliéster são altamente organizadas, em sua maioria retas e lisas, tornando-as menos eficazes do que as fibras de algodão. (*)

As máscaras respiratórias N95 são as mais eficazes para fornecer proteção contra aerossóis que transportam os vírus. (foto)
N95: Em uma máscara N95 (vista em seção transversal com cores falsas), uma camada interior de filtração (roxa), que retém as partículas menores, fica "ensanduichada" por uma camada externa fina (topo) e uma camada interna espessa (abaixo). O conjunto multicamadas feito de plástico é derretido e soprado em um tecido semelhante a uma teia, o que torna as partículas do filtro melhores do que as máscaras de tecido, mesmo as de algodão. (*)

Espero que essas pesquisas utilizando observações microscópicas dos tecidos usados nas máscaras possam ajudar as pessoas a decidirem a melhor forma de proteger a si mesmas e às outras pessoas durante a pandemia. Em todos os casos, usar qualquer máscara em comparação com nenhuma, ao contrário do que defendem alguns negacionistas, faz a maior diferença para retardar a propagação de patógenos.

Créditos:
(*) imagens: E.P. VICENZI / SMITHSONIAN'S MUSEUM CONSERVATION INSTITUTE AND NIST