Escolas municipais de Porto Alegre vão captar energia solar e esquentar merenda com gás originado do próprio lixo

Esta é uma réplica de artigo publicado em 22/08/2021  no site GZH Porto Alegre. É possível ler o artigo direto clicando aqui, mas talvez seja preciso cadastrar-se para ler. Então pra quem quiser evitar esse trabalho, aí vai.


Escolas municipais do Morro da Cruz vão captar energia solar e esquentar merenda com gás originado do próprio lixo

Instalação das placas fotovoltaicas e do biodigestor deverá resultar em redução de 70% na conta de luz e em duas horas diárias de gás para a cozinha


A lição é da diretora da ONG Centro de Inteligência Urbana de Porto Alegre (CIAUPOA), Tânia Pires:

— Não adianta os alunos estudarem ao lado de enormes placas solares se eles não souberem para que elas servem. O maior ganho não é na conta de luz, é na consciência da comunidade.

É com esse pensamento que duas escolas municipais do Morro da Cruz, na zona leste de Porto Alegre, receberam, no final de julho, placas fotovoltaicas para captar luz solar e transformá-la em energia elétrica e biodigestores para converter lixo orgânico em fertilizantes para uma horta comunitária e em gás para alimentar as próprias cozinhas. As escolas escolhidas foram a EMEF Professora Judith Macedo de Araújo e a EMEF Morro da Cruz – além de um CTG da mesma comunidade.

Placas fotovoltaicas foram instaladas na EMEF Professora Judith Macedo de Araújo

Um dos objetivos é promover a conscientização e integração das crianças nos processos sustentáveis



















Biodigestor vai resultar na economia de duas horas diárias de gás para a cozinha

EMEF Professora Judith Macedo de Araújo, EMEF Morro da Cruz e um CTG da mesma comunidade integram o projeto




A iniciativa é parte do projeto Morro da Cruz Circular e recebe financiamento internacional do Google e da ONG Iclei (Governos Locais pela Sustentabilidade, na sigla em inglês). Escolas de Porto Alegre e de Curitiba foram contempladas para o estudo, que envolve ainda um diagnóstico completo do consumo das instituições, da água das torneiras ao lápis apontado, trabalho feito com auxílio de uma ONG holandesa.

— São mais de 90 itens estudados. Os primeiros dados levantados já são surpreendentes. Descobrimos, por exemplo, que a escola consumiu em 2019 o equivalente a três piscinas olímpicas de água — conta Gislaine Coutinho, diretora da Judith, apelido da escola que atende 1.082 alunos de Ensino Fundamental.

A instalação das placas e do biodigestor deverá resultar em redução de 70% na conta de luz e em duas horas diárias de gás para a cozinha, respectivamente. A conscientização e integração das crianças nos processos sustentáveis encontraram uma instituição já habituadas a boas práticas ambientais. Desde o início dos anos 2000, a Judith mantém vivo e ativo o seu Laboratório de Inteligência do Ambiente Urbano (Liau), que foi implementado na rede municipal de Porto Alegre como um desdobramento acadêmico a partir da publicação do Atlas de Porto Alegre de 1998.

Há 11 anos, o Morro da Cruz ganhou ainda a companhia do CIAUPOA, organização focada em fazer a ponte entre instituições ou projetos voltados à sustentabilidade e a comunidade rural onde vivem mais de 50 mil porto-alegrenses. Tânia vê na comunidade e em sua localização um dos grandes trunfos de Porto Alegre para o futuro:

— Somente duas capitais brasileiras ainda têm uma zona rural: Palmas, no Tocantins, e Porto Alegre. É um privilégio termos onde testar, para depois replicar, as iniciativas que desenvolvemos aqui, como o cultivo de sementes orgânicas e esta, agora, relacionada ao consumo de energia.  

Além de formar estudantes conscientes, Tânia espera que os dados levantados em escolas como a Judith e a Morro da Cruz, “constranjam positivamente” prefeitos a apostarem no modelo energético. Tanto pela economia na conta de luz quanto pelo bom exemplo.

— As comunidades carentes não têm condições de ter uma placa voltaica em casa, mas é fundamental que eles saibam que ela existe e que cobrem do poder público que a implementem como política pública — resume.


A Física ajudando no desenvolvimento das vacinas

Coronavírus: imagem mostra vírus atacando células humanas (Flickr/Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos/Divulgação)
Para desenvolver uma vacina nova contra um vírus recém-descoberto, é preciso entender a maneira como esses vírus entram nas células, como eles as usam para se autorreplicarem, e de que forma um determinado antígeno pode neutralizá-los. Esses processos envolvem estruturas moleculares muito pequenas. Os microscópios eletrônicos são importantes, mas não seria possível caracterizá-las de forma mais completa sem o auxílio de outro poderoso instrumento que permite obter medidas precisas de suas massas. Esse instrumento é conhecido como espectrômetro de massa, e sem ele, provavelmente as batalhas travadas para a descoberta de novas vacinas seriam mais extensas e demoradas.

Campo magnético e espectrômetro   
Vou mostrar um dos processos envolvidos no funcionamento de um espectrômetro de massa, a partir de um experimento simples que realizei usando ímãs, duas diferentes esferas de aço e uma rampinha improvisada com réguas. Primeiramente fiz descer pela rampa a esfera mais pesada. Pode-se notar que ao passar pelo campo magnético ela sofre um pequeno desvio, devido à força de atração exercida pelo ímã. Logo após, fiz descer outra esfera mais leve, e pode-se ver claramente que ela sofre um desvio maior. O que isso mostra? Que objetos mais pesados desviam menos as suas trajetórias. Isso de certa forma parece um tanto intuitivo, mas a visualização do efeito no vídeo ajuda a entender.
Mas o que isso tem a ver com o espectrômetro de massa?
Substitua as esferas do meu experimento por íons obtidos de microscópicas partículas, presentes nos vírus, proteínas, e antígenos, que são peças importantes das pesquisas sobre vacinas, mas que, ao contrário das esferas de aço, não poderiam ter suas massas medidas em uma balança (foto).
Na química, a maioria dos átomos e moléculas têm suas massas conhecidas. Assim, sabendo o valor da massa total de um composto, pode-se chegar à sua constituição, ou seja, de que material ele é formado. Em um espectrômetro de massa, íons são arremessados em um campo magnético e sofrem diferentes desvios. Essas partículas desviadas são captadas por um detector, e a partir daí, com auxílio de programas de computação, os pesquisadores descobrem quais são os compostos analisados no experimento. 

Se você desejar entender um pouco melhor o funcionamento de um espectrômetro de massa, eu sugiro que assista o vídeo a seguir.
Pra quem vai fazer vestibular.
A Unicamp cobrou no seu vestibular de 2020 uma questão sobre espectrômetro de massa. Vou usar a imagem e solução feita pelo pessoal do Curso Objetivo. Vamos à questão:

Julho de 2019 marcou o cinquentenário da chegada do homem à Lua com a missão Apollo 11. As caminhadas dos astronautas em solo lunar, com seus demorados saltos, são imagens emblemáticas dessa aventura humana. A espectrometria de massas é uma técnica que pode ser usada na identificação de moléculas da atmosfera e do solo lunar. A figura mostra a trajetória (no plano do papel) de uma determinada molécula ionizada (carga) que entra na região de campo magnético do espectrômetro, sombreada na figura, com velocidade de módulo 3,2 105 m/s. O campo magnético é uniforme e perpendicular ao plano do papel, dirigido de baixo para cima, e tem módulo B=0,4T. Como ilustra a figura, na região de campo magnético a trajetória é circular de raio R=36 cm, e a força centrípeta é dada pela força magnética de Lorentz, cujo módulo vale F=qVB. Qual é a massa m da molécula?


 

Agora, os links de dois artigos científicos sobre vacina, que citam o uso de espectrômetro de massa:
1) Neste, em inglês, os cientistas explicam como fazem para medir as várias estruturas das proteínas quando elas se agregam aos vírus, o que permite estudar o comportamento isolado e associado de cada uma.
 2) Neste, uma pesquisadora brasileira mostra como usar espectrômetros de massa para analisar os poros de nanotubos de silício que podem ser usados para desenvolver uma vacina oral para o vírus da hepatite B.

Será que chegam logo as vacinas orais contra a Covid?

Você já imaginou se houvesse uma vacina contra a Covid-19 que pudesse ser tomada em forma de gotinhas, pela boca? 
Não precisaríamos de seringas e agulhas, e nem tampouco de pessoal qualificado para aplicá-las. E o que é mais importante: talvez fosse possível vacinar mais rapidamente um número maior de pessoas.

Saiba que já existem pesquisas nesse sentido, e alguns equipamentos e técnicas desenvolvidas pelo estudo da Física tem ajudado muito os pesquisadores a descobrir novas formas de combater o vírus. Existe no mundo um grande investimento em investigação e inovação, pois a pandemia tem mostrado como são fundamentais, se queremos oferecer soluções que nos permitam que nossas economias e sociedades se preparem melhor para uma eventual próxima crise.

Aqui no Brasil, desde 2004, a professora Márcia Fantini (foto), do Instituto de Física da USP, em parceria com o Instituto Butantan, pesquisa uma maneira de desenvolver uma vacina oral contra o vírus da Hepatite B, doença para a qual existem atualmente apenas vacinas injetáveis. Se tudo der certo, a mesma técnica poderá ser aplicada no caso da Covid-19.

“Nas vacinas administradas por via oral, o desafio é fazer o antígeno, substância que gera a resposta imune à doença, chegar ao intestino, onde será absorvido pelo organismo, sem ser destruído pelo suco gástrico ao passar pelo estômago", diz Márcia.
 
Os cientistas estão desenvolvendo materiais microscópicos que protegem os antígenos. Um destes materiais é a sílica. Como a estrutura da sílica possui poros, ou seja, espaços vazios, a ideia é usar estes espaços para servirem como veículo protetor dos antígenos. Para que isso seja possível, eles usam técnicas avançadas de caracterização de materiais (microscopia eletrônica de transmissão com varredura, espectroscopia de absorção de raios X, imageamento por contraste de fase por raios X e tomografia de nêutrons), todas desenvolvidas pela área da Física.
Você se interessou em saber mais detalhes?   Clique aqui

Imagens microscópicas das máscaras faciais

Uma boa maneira de entender por que algumas máscaras filtram as partículas com maior ou menor eficiência do que outras é através da imagem ampliada das fibras dos tecidos dos quais elas são feitas. Essas ampliações revelam detalhes invisíveis desses acessórios que agora se tornaram parte essencial de nossas vidas.
Enquanto alguns cientistas continuam a mostrar como as máscaras podem ser eficazes para retardar a disseminação do novo coronavírus, especialmente quando elas têm um bom ajuste e são usadas corretamente, outros adotaram abordagens microscópicas. Texturas em microescala dão boas pistas das diferenças das propriedades de cada uma, e podem explicar a capacidade de cada tecido de filtrar aerossóis.
 
A natureza aleatória das fibras de algodão, com sua textura enrugada e formas complexas, permite explicar por que ele captura mais partículas em nanoescala do que outros tecidos (foto).
Fibras de algodão: Uma rede de fibras de algodão. Este arranjo caótico dá às fibras oportunidades adicionais para agarrar as partículas à medida que estas fluem através do tecido. (*)

Em contraste, tecidos de poliéster como o rayon, apresentam fibras altamente organizadas, em sua maioria retas e lisas, o que os torna menos eficientes como máscaras faciais (foto).
Fibras de rayon: As ranhuras correm ao longo do comprimento das fibras. Ao contrário das fibras de algodão, essas estruturas facilitam o movimento das partículas de um lado para o outro. (*)

Os tecidos feitos de algodão também fornecem proteção adicional ao absorver a umidade do ar. Como o algodão absorve a água, ele incha em ambientes úmidos, o que dificulta a passagem das partículas pela máscara. As máscaras de poliéster como o náilon, por outro lado, repelem a água, então não há benefício adicional.
Mistura de poliéster-algodão: Fibras de algodão natural (claro) contrastam com fibras de poliéster (azul) nesta imagem com cores falsas. As fibras de poliéster são altamente organizadas, em sua maioria retas e lisas, tornando-as menos eficazes do que as fibras de algodão. (*)

As máscaras respiratórias N95 são as mais eficazes para fornecer proteção contra aerossóis que transportam os vírus. (foto)
N95: Em uma máscara N95 (vista em seção transversal com cores falsas), uma camada interior de filtração (roxa), que retém as partículas menores, fica "ensanduichada" por uma camada externa fina (topo) e uma camada interna espessa (abaixo). O conjunto multicamadas feito de plástico é derretido e soprado em um tecido semelhante a uma teia, o que torna as partículas do filtro melhores do que as máscaras de tecido, mesmo as de algodão. (*)

Espero que essas pesquisas utilizando observações microscópicas dos tecidos usados nas máscaras possam ajudar as pessoas a decidirem a melhor forma de proteger a si mesmas e às outras pessoas durante a pandemia. Em todos os casos, usar qualquer máscara em comparação com nenhuma, ao contrário do que defendem alguns negacionistas, faz a maior diferença para retardar a propagação de patógenos.

Créditos:
(*) imagens: E.P. VICENZI / SMITHSONIAN'S MUSEUM CONSERVATION INSTITUTE AND NIST

Por que gastar em exploração espacial com tanta gente passando fome?

Nessa semana que se passou, conversei um pouquinho nas minhas aulas de Física com os alunos sobre a importância histórica do fato de termos (eu uso a primeira pessoa do plural por estar me referindo à humanidade) obtido sucesso no pouso do rover Perseverance na superfície do planeta Marte.

Uma boa questão pertinente que coloco sempre aos alunos para refletirmos juntos, diz respeito à pergunta que já me fizeram várias vezes, e cujo argumento semelhante eu estive vendo mais do que nunca em comentários de páginas do facebook, com as pessoas criticando da seguinte forma: Por que gastar bilhões com exploração espacial com tanta gente passando fome?

Eu costumo responder a essa pergunta, pedindo para que façam uma pesquisa comparando a porcentagem de investimentos feitos no mundo todo com programas espaciais, e o que se gasta com todo o aparato que dá suporte às guerras e incentivo à aquisição de armas. E eu incluo nisso, os polpudos salários dos generais. Se ficarem muito surpresos, acho que seria então o momento perfeito para que saíssemos todos pelas ruas das cidades, com faixas e cartazes reivindicando o fim das guerras e do uso indiscriminado de armas.
Outro exemplo que justifica o investimento em pesquisas e desenvolvimento de tecnologias inovadoras é dado no texto que compartilho no link abaixo dessa postagem. O texto foi elaborado usando uma abordagem muito respeitosa, através de uma resposta dada por um pesquisador a um legítimo questionamento feito por uma freira da África, observando tantas crianças passando fome na região em que ela atuava, e sabendo do tanto que era gasto com missões de exploração do espaço. Nessa resposta, é citado o caso de pessoas que criticavam no passado os cientistas ocupados em desenvolver e aprimorar o uso do microscópio. Elas consideravam aquela atividade inútil, de puro desperdício de tempo (e dinheiro), para um aparelho que para elas só serviria como uma espécie de diversão ao ver insetos ou outros bichinhos ampliados, enquanto milhares eram vistos por todos, e a olho nu, adoecendo e morrendo pela terrível epidemia da Peste Negra. Pois bem. Aquela atividade de pesquisa aparentemente inútil e dispendiosa serviria um pouco mais tarde para os cientistas descobrirem a causa da epidemia, auxiliando na descoberta da bactéria causadora daquela terrível peste.
Já dei aqui um pequeno spoiler da leitura, mas quem mesmo assim ainda concorda que deveríamos parar de gastar tanto dinheiro com objetivo de explorar o espaço, sugiro reservar um tempinho para contemplar todo o texto, e quem sabe mudar também suas opiniões, assim como ocorreu com a freira após ter lido a carta-resposta endereçada a ela pelo educado pesquisador.

Link: