Alhazen e o Método Científico

No episódio de Cosmos - Escondido na Luz, o astrofísico Neil deGrace Tyson fala sobre os estudos das propriedades da luz, realizados por Newton, Herschel, e outros. Ele explica de que maneira as investigações e descobertas dos fenômenos luminosos abriram novos horizontes, possibilitando um entendimento melhor das composições das estrelas e galáxias distantes, e até mesmo da própria consistência de todo o Cosmos.
Há um trecho narrado neste episódio, que eu gostei tanto que resolvi transcrevê-lo aqui. As palavras são atribuídas ao árabe Alhazen (ao lado), que viveu de 965 a 1040 d.C., o qual teria sido um dos primeiros a adotar uma postura crítica que se aproximava muito do que conhecemos atualmente como o Método Científico. Leiam:


"Encontrar a verdade é difícil, e o caminho é acidentado. Como buscadores da verdade, o melhor é não julgar e não confiar cegamente nos escritos dos antigos. É preciso questionar e examinar criticamente o que foi escrito, por todos os lados. É preciso aceitar apenas o argumento e a experiência, em vez do que qualquer pessoa diz, pois todo ser humano é vulnerável a todos os tipos de imperfeição. Como buscadores da verdade, devemos suspeitar e questionar nossas próprias ideias ao investigarmos fatos, para evitar preconceitos ou pensamentos descuidados. Sigam este caminho e a verdade vos será revelada."

As palavras de Alhazen, mesmo que as vezes soem meio proféticas ou pareçam ter sido ditas por um apóstolo qualquer, é o tipo de filosofia que não encontra um paralelo em muitos livros considerados doutrinadores, nos quais não há estímulo ao livre-pensamento, mas que ao contrário, sugerem que não devemos contrariar as tradições seculares, pois sendo elas tão duradouras não poderiam estar equivocadas.

Eternizando "verdades"
Esse é o problema. Cada vez mais, a Ciência, pelo fato de defender ideias tão diferentes das que professam a maioria das intocáveis escrituras consideradas sagradas, inevitavelmente acaba entrando em rota de colisão com elas. Uma determinada explicação dada para a origem do Universo ou da vida na Terra, por exemplo, com o passar do tempo vai se repetindo de formas diversas em diferentes culturas, sendo cada vez mais aceita e se eternizando dentro delas, até um ponto em que alguns dogmas em muitos casos se tornam quase inquestionáveis. Em dado momento, determinadas pessoas, por qualquer razão, podem vir a argumentar que uma "verdade", por assim se dizer, não deveria ser indiscutivelmente aceita como tal, simplesmente pelo fato de ter sido em algum dia revelada por alguém escolhido, dotado de capacidades sensitivas privilegiadas, ou mesmo por um grupo de pensadores supostamente "iluminados". Questionamentos assim, contrários às tradições, mesmo que munidos de argumentos aparentemente bem convincentes, muitas vezes enfrentam fortes resistências. Não precisaria nem citar, para aqueles que conhecem um pouco da história, casos famosos como os de Copérnico, Galileu, Giordano Bruno, Kepler, Darwin, ou daqueles que propuseram a Teoria do Big Bang.

A realidade brasileira
No Brasil, infelizmente temos visto na atualidade alguns casos em que o Método Científico é simplesmente desprezado, em nome de uma pressa por encontrar a cura de uma doença, e o que é pior, com políticos ou autoridades completamente leigas induzindo a população a acreditar em teorias conspiracionistas, sugerindo irresponsavelmente que sejam puladas etapas de certificações sobre possíveis efeitos colaterais ainda não totalmente conhecidos, na aplicação de uma determinada droga. Casos que ficaram famosos no nosso país, como o da Etanolamina, e mais recentemente da Hidroxicloroquina, me fazem voltar aproximadamente 1.000 anos na história do pensamento humano para tentar entender agora esses dois exemplos de pensamentos descuidados, aos quais provavelmente se referia Alhazen, e que só impedem ainda mais que a verdade possa ser de fato revelada aos brasileiros.